Minha história não tem
meio, nem palavras bonitas. Minha história tem rabiscos traçados com tinta
fresca. Sou pura. Dor no corpo quebrado e calafrio no medroso. Carrego sangue
fresco, é só o que importa. Todos os dias fico ali, na beira daquele caminho
abandonado pelas máquinas, sentindo a chuva cair sobre os ombros. E fico ali
pálida, aguardando a morte fazer contato.
Sou apenas mais uma virgem tentando
alimentar meu outro lado, meu lobo faminto. O medo pode dominar por instantes,
tentando abafar meu suplício, mais não é capaz de arrancar meus caninos
maduros. Sou santa. Feliz. Embora não reze um Pai Nosso diário ou me ajoelhe no
chão. Não, esta não sou eu.
O gosto da minha saudade ainda escorre pelo canto
da boca. Um gosto que já não suporto mais. Prefiro tecer este fio que me liga
ao outro lado, lá tem madrugadas claras e vinho bom. Estou presa no caminho de
ramos transparentes, e de gritos baixos nos passos, em cada passo que busco
cair no abismo. Minha história não é bonita, mas hoje estou charcada de um
sentimento estranho chamado amor.
Um amor que me toma inteira e mesmo cheia de
raiva, estou certa que poderei correr e sorrir e querer pular daqui. Minha alma
me rasga os braços e assim sinto que posso abraçar a corrente para atravessar o
poço do medo, posso sair daqui. E já não importa quem sou agora e sim no que
poderei ser e no que poderei me transformar. Se triste ou sozinha, se tola ou
carente. Posso envelhecer repentinamente ou dançar no compasso sinistro entre
vulcões. Posso sair inteira, virgem e feliz.
Me despeço da morte agora. E nesta
esquina que eu mesma construí, poderei recomeçar. O que deixarei aqui nunca
poderei ter novamente, apenas carrego doces lembranças, um soluçar de ideias. As
asas crescem cortante nas costas. Dou adeus ao escuro daqui, deixando minha
memória inteira, voo de encontro à mãe que me aguarda do outro lado.
Lá é dia
agora e num breve choro sufocante na tentativa de respirar, respiro a vida.
Minha história sem começo nem meio, apenas este fim.
E sinto que serei realmente
uma bela fada.