A incrível geração
de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem NÃO quer. Às
vezes me flagro imaginando um homem hipotético que descreva assim a
mulher dos seus sonhos: “Ela tem que trabalhar e estudar muito, ter
uma caixa de e-mails sempre lotada. Os pés devem ter calos e bolhas
porque ela anda muito com sapatos de salto, pra lá e pra cá.
Ela
deve ser independente e fazer o que ela bem entende com o próprio
salário: comprar uma bolsa cara, doar para um projeto social, fazer
uma viagem sozinha pelo leste europeu. Precisa dirigir bem e entender
de imposto de renda. Cozinhar? Não precisa! Tem um certo charme em
errar até no arroz. Não precisa ser sarada, porque não dá tempo
de fazer tudo o que ela faz e malhar. Mas acima de tudo: ela tem que
ser segura de si e não querer depender de mim, nem de ninguém.”
Pois é. Ainda não ouvi esse discurso de nenhum homem. Nem mesmo
parte dele. Vai ver que é por isso que estou solteira aqui, na luta.
O fato é que eu venho pensando nisso. Na incrível dissonância
entre a criação que nós, meninas e jovens mulheres, recebemos e a
expectativa da maioria dos meninos, jovens homens, homens e
velhos homens. O que nossos pais esperam de nós? O que nós
esperamos de nós? E o que eles esperam de nós? Somos a geração
que foi criada para ganhar o mundo. Incentivadas a estudar,
trabalhar, viajar e, acima de tudo, construir a nossa independência.
Os poucos bolos que fiz na vida nunca fizeram os olhos da minha mãe
brilhar como as provas com notas 10. Os dias em que me arrumei de
forma impecável para sair nunca estamparam no rosto do meu pai um
sorriso orgulhoso como o que ele deu quando entrei no mestrado.
Quando resolvi fazer um breve curso de noções de gastronomia meus
pais acharam bacana. Mas quando resolvi fazer um breve curso de
língua e civilização francesa na Sorbonne eles inflaram o peito
como pombos. Não tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a
rechear um lagarto. Não nos chamaram pra trocar fralda de um
priminho.
Não nos explicaram a diferença entre alvejante e água
sanitária. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa
geração. Mas nos ensinaram esportes. Nos fizeram aprender inglês.
Aprender a dirigir. Aprender a construir um bom currículo. A
trabalhar sem medo e a investir nosso dinheiro. Exatamente como
aconteceu com os meninos da nossa geração. Mas, escuta, alguém
lembrou de avisar os tais meninos que nós seríamos assim? Que nós
disputaríamos as vagas de emprego com eles? Que nós iríamos querer
jantar fora, ao invés de preparar o jantar? Que nós iríamos gostar
de cerveja, whisky, futebol e UFC? Que a gente não ia ter saco pra
ficar dando muita satisfação? Que nós seríamos criadas para
encontrar a felicidade na liberdade e o pavor na submissão? Aí, a
gente, com nossa camisa social que amassou no fim do dia, nossa bolsa
pesada, celular apitando os 26 novos e-mails, amigas nos esperando
para jantar, carro sem lavar, 4 reuniões marcadas para amanhã, se
pergunta “que raio de cara vai me querer?”.
“Talvez se eu fosse
mais delicada… Não falasse palavrão. Não tivesse subordinados.
Não dirigisse sozinha à noite sem medo. Talvez se eu aparentasse
fragilidade. Talvez se dissesse que não me importo em lavar cuecas.
Talvez…” Mas não. Essas não somos nós. Nós queremos um
companheiro, lado a lado, de igual pra igual. Muitas de nós sonham
com filhos. Mas não só com eles. Nós queremos fazer um risoto. Mas
vamos querer morrer se ganharmos um liquidificador de aniversário.
Nós queremos contar como foi nosso dia. Mas não vamos admitir que
alguém questione nossa rotina. O fato é: quem foi educado para nos
querer? Quem é seguro o bastante para amar uma mulher que voa? Quem
está disposto a nos fazer querer pousar ao seu lado no fim do dia?
Quem entende que deitar no seu peito é nossa forma de pedir colo? E
que às vezes nós vamos precisar do seu colo e às vezes só vamos
querer companhia pra um vinho? Que somos a geração da parceria e
não da dependência? E não estou aqui, num discurso inflamado,
culpando os homens. Não.
A culpa não é exatamente deles. É da
sociedade como um todo. Da criação equivocada. Da imagem que ainda
é vendida da mulher. Dos pais que criam filhas para o mundo, mas
querem noras que vivam em função da família. No fim das contas a
gente não é nada do que o inconsciente coletivo espera de uma
mulher. E o melhor: nem queremos ser.
Que fique claro, nós não
vamos andar para trás. Então vai ser essa mentalidade que vai ter
que andar para frente. Nós já nos abrimos pra ganhar o mundo. Agora
é o mundo tem que se virar pra ganhar a gente de volta”. Achei
incrivelmente legal e emocionante o texto de Ruth Manus.
Confesso que
me segurei para não cair aos prantos. Me comovo com a “nossa”
história, nós mulheres, que conseguimos conquistas, nesta constante
luta por igualdades e de um lugar ao sol. Não podemos nos exigir
demais, apenas ser realistas e perceber que somos capazes, e que
temos muito a oferecer. Acho que um dia dominaremos o mundo...
E aí
meninas, vamos?