Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

A gramática da vida.




Ou melhor. A gramática da sua vida. A gramática da vida é mais simples, mais sabia e mais eficiente do que a dos livros. No português da vida, toda frase que se preze tem sujeito e predicado. E, de preferência, sujeito composto.É que... "Eu vou a Roma" é uma boa frase. Mas... "Eu e você vamos a Roma" é muito melhor! Na vida, uma boa companhia é imprescindível. Na gramática do cotidiano, o pretérito tem que ser perfeito! 

O que aconteceu no passado ficou lá! Nada de começar os seus dias com "eu podia ter passado", "eu sabia a resposta", "eu me enganava na faculdade"... O tempo não volta. Aprenda com o que aconteceu. Olhe para frente. Na gramática da vida, o futuro só pode ser o futuro do presente. Frases do tipo "eu gostaria de ser juiz" devem ser riscadas do seu vocabulário. Substitua por "eu serei juiz". E você será. O que o português chama de "futuro do presente", a bíblia chama de "fé" e o Direito de "direito adquirido". Você tem o "direito adquirido" de ser quem você quiser. A liberdade foi conquistada há anos. Não seja escravo das suas próprias fraquezas. 

A gramática da vida traz vida para a gramática. Por quê? Porque há poder em nossas palavras. Sempre acontece aquilo que nós repetimos que vai acontecer... Então escolha bem suas repetições! Escreva suas metas no quarto, no caderno, na bolsa. Escreva na testa, no braço... Mas escreva principalmente no pulmão. Tem gente que respira o sonho. Seja um deles. A gramática da vida exige repetição. Você não aprende a conjugar todos os verbos em um dia. Você não fica forte em uma semana na academia. Você não vira juiz em um mês. Persista. Vencer demanda tempo. Concordo. Mas ser feliz não. A frase "eu sou feliz" deve vir no presente. Quem é apenas circunstancialmente feliz, na realidade, não é feliz. Só está alegre. É bem diferente. Alegria depende do momento, do acontecimento, do outro. É um sentimento que começa de fora para dentro. Felicidade é de dentro para fora. Por fim, na sua vida, conjugue o verbo no modo imperativo. 

Olhe para você mesmo e diga: Continue! Persista! Sorria!Afinal de contas, você é o que você acha que você é! Um dia cheio da gramática da vida para todos nós!”. Esta foi minha reflexão nesta semana. E me pergunto, todos os dias, quais as conjugações que tenho feito em minha vida... E penso no amor, e me confundo, me agrido mentalmente. Não tenho conseguido terminar minha concordância. E afirmo, no meu português incerto, que apenas o amo, e este amor tem de calado a boca, abafado minhas letras miúdas e frágeis. E sinto que não tenho razão, nem mesmo para ficar triste. 

Drummond dizia: a razão sem razão de me inclinar aflito sobre restos de restos, de onde nenhum alento vem refrescar a febre desse repensamento: sobre esse chão de ruínas imóveis, militar e na sua rigidez que o orvalho matutino já não banha ou conforta”.

Minha gramática realmente anda morga, meu amor numa calmaria absurda dentro de mim...

Arte de engolir sapos


Nas minhas deliciosas andanças em textos sobre a vida, relembrei um dom que todos nós temos, ao ler o texto de Rubem Alves, lembrei-me que temos esta arte e a fazemos todos os dias, muito bem, “engolir sapos”. “O Adão, meu amigo, professor de biologia, já encantado, amava os sapos. Dedicou sua vida a estudá-los. Estudava e admirava. Era capaz de identificá-los não só por sua aparência física como também pelo seu canto. Acho que o Adão achava os sapos bonitos. E é certo que eles têm uma beleza que lhes é peculiar. 

O filósofo Ludwig Feuerbach diria que para os sapos não existe nada mais belo que o sapo e, se entre eles houvesse teólogos, haveriam de dizer que Deus é um sapo. Cada forma de vida é o Bem Supremo para si mesma. Eu mesmo, sem ter a sensibilidade do Adão, escrevi um livro para crianças em que um dos heróis é o sapo Gregório. Mas desejo confessar que não acho os sapos bonitos. Bonita eu acho a sua cantoria durante a noite, a despeito da sua falta de imaginação e monotonia. Mas o que ela perde em riqueza estética é plenamente compensado pelo seu poder hipnótico, o que é bom para fazer dormir. Mas o fato é que nós, humanos, não consideramos os sapos como animais com que gostaríamos de conviver. Ter um cãozinho, um gato ou um coelho como bichinho de estimação, tudo bem. Mas se o menino quisesse ter um sapo como bichinho de estimação, os pais tratariam de leva-lo logo a um psicólogo para saber o que havia de errado com ele. Sapo é bicho de pesadelo. Quem sugere isso são as Escrituras Sagradas. Está relatado, no capítulo oitavo do livro de Êxodo que Deus, para dobrar a obstinação do faraó egípcio que não queria deixar que o povo de Israel se fosse, enviou-lhe uma série de pragas de horrores, uma delas sendo a dos sapos. 

Diz o texto que a praga era de rãs, mas não faz muita diferença. “Eis que castigarei com rãs todos os teus territórios, o rio produzirá rãs em abundância, que subirão e entrarão em tua casa, no teu quarto de dormir, e sobre o teu leito, e nas casas dos teus oficiais, e sobre o teu povo, e nos teus fornos e nas tuas amassadeiras. ” Já imaginaram o horror? A gente entra debaixo das cobertas e sente o frio das rãs que lá estão. Morde o pão e dentro dele está uma rã assada. Nas estórias infantis é a mesma coisa. A bruxa poderia ter transformado o príncipe numa girrafa, num tatu ou num gato. Escolheu transformá-lo no mais nojento, um sapo. E há aquela estória em que o sapo queria dormir na cama com a princesinha. Tão horrorizada ficou de ter de dormir com um sapo que ela, para evitar os beijos e seus desenvolvimentos inevitáveis, pegou-o pela perna e o jogou contra a parede. Esse ato teve efeito mágico pois que, ao cair no chão, o sapo transformou-se em príncipe. Já aconselhei pessoas a lançar contra a parede seus sapos e sapas conjugais, para ver se o contra-feitiço funciona também para os humanos. Parece que não. 

O horror do sapo parece também numa sugestiva expressão popular: “ter de engolir sapo”. Por que não “ter que engolir gato”, “ter de engolir borboleta”, “ter de engolir tico-tico”? Porque mais nojento que sapo não existe. Essa expressão traz o sapo para o campo das atividades alimentares. Engolir é comer. O ato de comer é presidido pelo paladar. O paladar é uma função discriminatória. Ele separa o saboroso do não saboroso. O saboroso é para ser engolido com prazer. O não saboroso, o corpo se recusa a comer. Cospe. “Ter engolido sapo”: ser forçado a colocar dentro do corpo aquilo que é nojento, repulsivo, viscoso, frio, mole. Não há forma de engolir sapo com prazer. Engolir um sapo é ser estuprado pela boca. Há um ditado inglês que diz: “If you are going to be raped, and there is nothing you can do about it, relax and enjoy it” : se você vai ser estuprado e você não pode fazer nada para impedi-lo, relaxe e trate de gozar o mais que puder. Esse ditado sugere a possibilidade de se sentir prazer em ser estuprado. Pode até ser. A psicanálise me ensinou a aceitar a possibilidade dos mais estranhos prazeres perversos. 

Mas não há relaxamento que faça do ato de engolir sapo uma experiência prazerosa. Por que engolir um sapo? Há pessoas que engolem sapos por medo. Bem que seria possível evitar a repulsiva refeição: o sapo é um sapinho. Mas elas preferem engolir o sapo a enfrentá-lo. Não têm coragem de pegá-lo e jogá-lo contra a parede. Pessoas que fizeram do ato de engolir sapos um hábito acabam por ficar parecidas com eles: andam aos pulos, sempre rente ao chão e coaxam monotonamente. Mas há situações em que é inevitável engolir o sapo. Eu mesmo já engoli muitos sapos e disto não me envergonho. O meu desejo, com esta crônica, é dar uma contribuição ao saber psicanalítico, que até agora fez silêncio sobre o assunto. Muitos dos sintomas neuróticos que afligem as pessoas resultam de sapos engolidos e não digeridos. Tudo começa com um encontro: à minha frente um sapo enorme, ameaçador, com boca grande. A prudência me diz que é melhor engolir o sapo a ser engolido por ele. É melhor ter um sapo dentro do estômago(sapos engolidos nunca vão além do estômago) do que estar no estômago do sapo. 

Aí, impotente e sem ações, deixo que ele entre na minha boca, aquela massa mole nojenta. É muito ruim. O estômago protesta, ameaça vomitar. Explico-lhe as razões. Ele cessa os seus protestos, resignado ao inevitável. Não consigo mastigar o sapo. Seria muito pior. Engulo. Ele escorrega e cai no estômago. Alimentos não digeríveis são eliminados pelo aparelho digestivo de duas formas: ou são expelidos pelo vômito ou são expelidos pela diarréia. Os sapos são uma exceção. Não são digeridos mas não são nem expelidos pelas vias superiores e nem pelas vias inferiores. Os sapos se alojam no estômago. Transformam-no em morada. Ficam lá dentro. Por vezes hibernam. Mas logo acordam e começam a mexer. Ninguém engole sapo de livre vontade. Engole porque não tem outro jeito. Tem sempre alguém que nos obriga a engolir o sapo, à força. A pessoa que nos obriga a engolir o sapo, a gente nunca mais esquece. 

Diz a Adélia que “aquilo que a memória amou fica eterno”. Aí eu acrescento algo que aprendi no Grande Sertão. Conversa de jagunços matadores. Diz um: “Mato mas nunca fico com raiva”. Retruca o outro, espantado: “Mas como?” Explica o primeiro: “Quem fica com raiva leva o outro para a cama.” É isso. A gente leva, para a cama, a pessoa que nos obrigou a engolir o sapo. A raiva também eterniza as pessoas. Não adianta falar em perdão. A gente fica esperando o dia em que ela também terá de engolir um sapo. 

Ou como dizia uma propaganda antiga de loteria, a gente reza: “O seu dia chegará...” (O amor que acende a lua, pg. 105.) Nós, meros seres, me pergunto constantemente, até quando carregaremos “sapos” dentro de nós?!


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