Desembaço o espelho e
limpo o borro de maquiagem no canto do meu rosto fatigado e ele volta a ser pálido. E o espelho
volta a ser leve... E eu volto ser eu. E minhas pétalas caem suaves no chão,
vou me desfazendo calmamente... Pétala por pétala e espinho por espinho. E
sinto que já não sou tão uma flor assim, que dia-a-dia me desfaço e nunca volto
inteira, nunca retorno completa.
Então, no meio deste caos de ir e não vir mais
única, eu resolvi guardar todas as minhas lembranças, no canto esquerdo de mim,
as lembranças inteiras primeiro. Será que intensamente viverei com elas
guardadas em mim? Minhas lembranças são cacos infinitos e mesmo assim, prefiro
tê-los, sufocando-me absurdamente, que catar todos os dias minha pétalas
malditas de amor. Resolvi refazer friamente tudo dentro de mim, todos os passos
andados e labirintos percorridos, tentar me recriar mentalmente. Estou
guardando todas as minhas lembranças... E quando penso nelas, me acalmo e me
afago. E me alcanço livremente em meados de alguma década atrás, cantarolando
versos de amor no banheiro, um banheiro pequeno e apenas uma vela acesa no
chão.
E mais tarde pensei eu quando menina, tive um amor e este amor me ronda
em sonhos, esse amor que há muito não me deixara dormir e nele quero pairar as
minhas agonias, quero tê-lo e beijá-lo em meus pesadelos atuais. Quero poder
lembrar da única vez que a morte não me perseguiu, uma única vez em que ela não
me atordoou com meus medos e friamente não me convidou para brincar. Penso nela
vez ou outra, em seus passos que eram mansos no corredor da casa.
E penso muito
mais nos instantes cristalinos na praia, noites quentes de verão e mesmo assim
a areia era gostosa e macia nos pés e o estúpido e maravilhoso som das ondas
batendo nas rochas, instantes que deveriam ser eternizados dentro de mim. Quero
também guardar todas as danças na chuva, meu eu virgem e minhas doces palavras
de amarguras, as tentativas insanas de achar tesouros pelo mundo afora. E mesmo
que minhas pétalas não sejam lindas e perfumadas, elas se vão, e mesmo que eu
não vire santa depois disto, continuarei destecendo o pavio da minha vida.
Continuarei estúpida, feito Ícaro e suas asas derretidas e melancólica igual noiva deixada no altar. Continuarei lembrando minhas delícias
escondidas e trancadas minhas manhãs de outono. E mesmo frívola e sombria,
guardarei as lembranças todas, porque sou feita de instantes pequenos e
momentos delicados. Pétalas ao vento... Cacos no chão... Memórias doces e sendo
eu tão erradia nas noites de sábado, não importa... Mesmo sem pétalas macias e
perfumadas, estou coberta de prosas e versos, explodindo em palavras de desamor...
Ideias e argumentos poéticos.
Isto basta!... Escreverei assim meu poema de
amor. Mordam-me ou me matam de uma vez! Serei uma margarida inocente ou um
lírio estúpido? Uma tulipa amaldiçoada ou um jacinto solitário?
Porque ainda
não sei se sou apenas uma semente perdida tentando ser flor ou um sonho bom.
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