Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Silêncio em mim




Faz um silêncio dentro de mim, enigmático e  profundamente fundamental , eu sei. Meu berço das frases mais lindas desabrocha, como uma gota de orvalho caindo sobre mim, escorrendo palavras, todas elas soltas, uma a uma em minha mente. 

Agora rouquidão, que coça a garganta. Tenho sede e cansaço, vontades de  tentativas diversas, de gritar, ou sussurrar, nem mais sei. Esta voz pequena aqui, uma voz pouca que faz parar meus sentidos mais profundos e sinistros, como um gole de vinho que bebo e que faz repousar minhas pálpebras ao anoitecer. Mas agora é madrugada de sábado. 

Sou uma simples Eva que perambulava pela estrada escura, uma rua sem saída, com um beco profundo que leva a minha casa. Ele caminha comigo, Adão, o príncipe das minhas desventuras. Eu danço, ele dança e juntos, bailamos no compasso lerdo da música sinistra que toca no salão, no salão da nossa mente já apodrecida. Quebramos as regras dos passos cronometrados, eu linda e ele belo. Tudo passa devagar, tinindo vez em quando as artimanhas sutis, deixando meus argumentos no chão. 

O que resta? Só me resta desatar sem querer este nó cego dentro de mim...E se eu era presa e te amava, agora livre sou toda sua, nos teus devaneios. Livre dos meus “nãos”, da minha vontade de brincar com a morte. E eis que a pobre morte me deixou ficar mais um pouco, mais um tanto poder te amar e querer este sentimento incrível, por uns instantes apenas. Quero somente teus beijos e carinhos gentis, afagos e delírios, rompendo-me as entranhas. A estrada parece sumir das minhas coreografias, meu Adão se vai feito fumaça, mágico no fim do show, se perde na neblina maneira que aponta, que finda. 

Deito-me no beco, na tentativa de tirar minha própria alma, aconchegar-me no cemitério das minhas delícias. Ou fugir deste grito preso em mim, nesta batalha esculpida em meu peito, do tempo e do perdido, do que já não pode ser. Amar Adão ou morrer de amor, mas hoje a voz é pouca e rouca em mim, resta apenas uma sombra, que vaga e que se perde nesta escuridão do meu dia. Apenas uma Eva que perambula, feito um zumbi de história em quadrinhos, com restos de sangue ainda na boca, pedalando na bicicleta das minhas próprias emoções. Uma dor podre, um coração partido no chão para o cão morder, abismo. 

Desilusão, amor ruim. Pulsa o corpo frenético na estrada esquecida, madrugada fria. Adão esquecido. Desmorona o corpo acorrentado de qualquer jeito, farelos de adeus. Um amor que mata, feito caco de espelho nas mãos. Uma silhueta se decompondo apenas, sem concreto ou mensagem por cima. E agora faz um silêncio em mim.

--> Amor Cristalino




Esse amor cristalino
que chegou na tarde branda de domingo,
no seu cavalo branco,
com suas doces palavras...

De repente, trouxe-me à vida,
um modo de sonhar diferente,
de viver intensamente
as noites frias do meu próprio inverno.

Percebo.
É apenas um sonhar?
Uma dor  fina  presa no peito, na sofreguidão.
Estou abstrata e não tenho mais medo do amor.

E pude adormecer...
Nas tardes tranquilas do meu pensamento,
e tudo o que era incógnita se tornou brando
feito as águas frias do rio do meu paraíso.

E tornei-me uma moça tranquila,
amável com minhas ideias e amigável com meus sentimentos.
Sim, me tornei amante dele e ele de mim.
E o amor cristalino reina em nós.

Mães só morrem quando querem

Picasso
 
 
“Eu tinha sete anos quando matei minha mãe pela primeira vez. Eu não a queria junto a mim quando chegasse a escola no primeiro dia de aula. Eu me achava forte o suficiente para enfrentar os desafios que a nova vida iria me trazer. Poucas semanas depois descobri aliviado que ela ainda estava lá, pronta para me defender não somente daqueles garotos brutamontes que me ameaçavam, como das dificuldades intransponíveis da tabuada. Quando fiz quatorze anos eu a matei novamente. 

Não a queria impondo regras ou limites, nem que me impedisse de viver a plenitude dos voos juvenis. Mas logo no primeiro porre eu felizmente a redescobri viva. Foi quando ela não só me curou da ressaca, como impediu que eu levasse uma vergonhosa surra do meu pai. Aos dezoito anos achei que mataria minha mãe definitivamente. Entrara na faculdade, iria morar em república, faria política estudantil, atividades em que a presença materna não caberia em nenhuma  hipótese. Lego engano, quando me descobri confuso sobre qual rumo seguir, voltei à casa materna, único espaço possível de guarida e compreensão. 

Aos vinte e três anos me dei conta de que a morte materna era possível, porém requereria muita lentidão... Foi quando me casei, finquei bandeira de independência e segui viagem. Bastou-me nascer a primeira filha para descobri que o bicho mãe se transformara num espécime ainda mais vigoroso chamado avó. Apesar de tudo, continuei acreditando na tese de que a morte seria bem demorada, e aos poucos fui me sentindo mais distante e autônomo, mesmo que a intervalos regulares, ela reaparecesse em minha vida desempenhando papéis importantes e únicos. Papéis que só ela poderia protagonizar. 

Mas o final desta história, ao contrário do que eu sempre imaginei, foi ela quem definiu, quando menos esperava, ela decidiu morrer. Assim, sem mais, nem menos, sem pedir licença ou permissão, sem data marcada ou ocasião para despedida, minha tese da morte bem demorada ruiu. Ela simplesmente se foi, deixando a lição que mães não são para sempre. Ao contrário do que sempre imaginei, são elas quem decidem o quanto esta eternidade pode durar em vida, e o quanto fica relegado para o etéreo terreno da saudade”. 

Esta mensagem é de um Autor Desconhecido, pus-me a  pensar, não sabemos se a vida é curta ou longa demais, com isto, por que não amamos as pessoas que estão em nossa volta, principalmente aquela que chamamos de mãe? Nem sei se este seria o nome melhor para definir este tipo de ser, acho que mãe é um ser sobrenatural, isto mesmo, de um outro planeta. Nunca sabemos quando ela vai querer partir, o vazio que fica nada pode preencher. Até uma mãe ignorante é capaz de ensinar coisas que nem Freud explicaria. Um dia podemos descobrir que a pessoa que mais nos amou foi nossa mãe e que realmente era ela o baú das nossas verdadeiras lembranças.


“Em geral, as mães, mais que amar os filhos, amam-se nos filhos”
Friedrich Nietzsche

--> Cariocas



Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte… Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca
(até que alguém se lembre
de duplicar a Barra, pesadíssima).
Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.
Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar… a frente é interminável.
A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?
Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!
Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos…
Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)
Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?
Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!
A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?
A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.
Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto
de metralhadora, de seqüestro e bomba?



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