Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Enquanto ele morre




Ele morre todo dia.
Aos pouquinhos e bem devagar.
Faltam-lhe flores cheirosas no jarro e
roupas engomadas na gaveta.

Ele morre nas noites também.
Nas noites de céu limpo e bem estrelado.
Pela falta de cigarras nos caules das árvores e
rãs novas nas paredes do poço.

Ele morre no sábado de sol farto.
Sábado de feriado ou de aleluia.
Pela falta de semente no solo fértil e
a falta de chuva no chão árido de seu quintal.

Ele morre. Ele morre.
Isto é o que importa neste nascer e morrer.
Deste viver constante, deste continuar estressante.
Desta travessia na ponte das ilusões.

Ele morre por hoje e
por ontem e amanhã um pouco mais.
Por falta de insônia, silêncio.
Por falta de amor, por causa da fome, da guerra.

Ele morre cedo. Morre tarde.
E o pó do seu corpo corre com o vento lá fora.
Faz redemoinho na entrada da rua,
feito letras soltas sendo atiradas de um lado para o outro.
E a ventania cessa. Ele morre.
Mas, as lagartas se acumulam no chão.
A primavera aponta na quina da varanda
O cinza já não é tão cinza. Sei que as cores não virão.

Ele morre enquanto nascem borboletas no jardim.
E morrer já é suficiente por um dia. Eu fico triste.
E sinto suas asas batendo forte, indo além do muro pichado.
Sinto o beijo fresco na minha nuca, despedindo de mim.

Surgindo noutro lugar...
Feito passado errante!

Quero ir também. Ele pode. Por que eu não?
Posso correr, rastejar e morrer.
Quero ser anjo,
mesmo com asas quebradas.


 Imagem:
cristianaceschi.blogspot.com

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