Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Funciono




Refaço-me. Todos os dias. De algum jeito torto e desmiolado. Negra, branca, bela e miúda. Conserto-me com um pouco de dor, um pouco de amor. Com um pouco de desespero e rebolado tosco. Um pouco de sangue ralo que escorre por entre as incertezas, nas veias. 

A fera sorrindo, a borboleta levantando voo. Tem tudo dentro de mim. Dentro deste lado avesso, me desperto... Tardia, choramingando que apaguem as velas acesas no corredor. 

Sorrio. Um sorriso sufocante de um gozo silenciado, aflito. Virgem. Em um nascer que feri a própria carne. Que corta cruelmente pedaços fatigados de mim. De minhas insônias, que arrebenta com minha estupidez. Com meu lado fraco e pouco palpável. Refugio em meus versos, em palavras poucas que bastam. Por um dia somente. E algo tão grande mendiga por rimas, palavrões. 

Estou assim, assassinada por mais uma noite. E agora posso voar. Cair deste ninho, deste mero invólucro, ordinariamente me atiro por aí, feito um zumbi errante, uma retirante sem causa. Assim o corpo se levanta, trêmulo, feiro criança aprendendo a andar. Levanto e calmamente vago por aí, talvez em busca da saída, talvez carente de esperança ou oração. Sem medir ou tracejar um caminho. Apenas esforço para se despedir daqui ou implorar água na próxima encruzilhada. 

E catando vagarosamente cacos para me recompor. Assim Funciono. Mesmo com rastros de lágrimas, e a mente ainda medrosa e alma enferrujada, este corpo humano e seu funcionar já basta. Poderei morrer... Ou nascer. Ou continuar feio andarilha, cavando minha reais delícias. Funciono, revirando-me ao extremo dia após dia, incansavelmente tola de mim mesma. Feito um tic-tac do relógio surrado de bolso. Funciono, funciono, funciono...Feito agulha gasta da vitrola da vovó.

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