Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto --> Astúcio Altanan




Ele estava mais uma vez após o horário comercial em seu escritório no Edifício Touclum, aquele prédio grande no final da rua principal do centro da cidade, os clientes japoneses não esperariam mais uns dias, tinha de reaver o contrato, estipular as cláusulas, modificar itens, uma estafa normal na vida de um grande homem, de um executivo exemplar.
Desconfiava da mulher. Não era um sentimento comum, ela andava estranha a semana inteira, não atendia aos telefonemas que ele prestava a cada hora do dia, isso o incomodava demais. O amor é mesmo assim, covarde e desconfiado e para ele, o medo era maior que tudo e perder a esposa não estava em seus planos, não naquela semana. 
Astúcio era somente mais um em um milhão de homens comuns no mundo, mais um que não se importava muito com o que a esposa fazia no decorrer do dia ou do mês, mais esta semana era especial, ele sabia disto. Em meio aos relatórios e papéis carimbados de banco, ele se incomodou com extratos de cartões de créditos, eram dela e a lista era intensa, de lugares estranhos, os horários em que não atendia aos telefonemas dele estavam tachados na conta telefônica, a ira já subia a cabeça e a obsessão começou daí. 
Em meio as suas anotações de trabalho ele começara uma maneira de flagrá-la, de surpreendê-la em um destes horários duvidosos. Planejou. E assim os dias se seguiam como de costume. Quase fechando um grande negócio, Astúcio também encaixou em sua agenda seu momento de bancar o detetive. 
E assim seguiu seu plano. Câmera na mão, lápis e papel para anotações essenciais. Um dia pela manhã a esposa entra no salão para ajeitar o cabelo, à tardinha café com amigas e final de um dia entrada na doceria da esquina de casa... 
O que teria de tão desconfortante? Sua esposa continuava silenciosa, um tanto misteriosa. Os dias passavam frenéticos. E nada ele conseguia para abafar sua desconfiança. Chegara o grande dia de Astúcio. Todos os executivos na sala de reunião, planilhas e cálculos revisados, planta modificada e orçamentos alterados, muitos dúvidas e perguntas a mesa... Pedidos de explicações e argumentos inexplicáveis. Intervalo secreto para tentar falar com a mulher afinal estava nervoso, expectativa grande no aguardo de respostas. 
E apenas o som miúdo da caixa postal do celular da esposa... Incômodo, agonia. Um complemento importante na vida deste executivo, hoje é seu grande dia, e ansiosamente aguardava palavras elegantes e afáveis. Hoje Astúcio estava completando seus incríveis 46 anos! E nem um beijo doce recebera da esposa pela manhã, ou uma caixinha de presente. Filhos na faculdade, a mãe tinha viajado para a casa de sua irmã em Alfismar e a esposa zanzando por aí, fazendo sei lá o que. Não devia ter saído da cama hoje, era o pensamento dele. 
Os japoneses pediram até o fim do dia para uma resposta concreta, para determinar se o projeto seria aceito ou não. Bom, Altanan tem o dia de folga, e poder contemplar seu dia limpo e claro, e na verdade colocar em prática seu momento de detetive e poder surpreender sua esposa em algum instante inexplicável. Roda aqui e ali, lá e acolá e nada. Telefone com uma breve mensagem anunciando para o dia seguinte o andamento da reunião. E Olívia? E filhos e mãe? Amigos, algum? Astúcio perde a esperança de felicidade. Afrouxa a gravada que lhe aperta o pescoço. 
Gira seu motor para casa, para seu refúgio de solidão e desespero. Esquecido pela esposa, um grande homem abandonado pela família num dia tão memorável, nem um chopp com a galera do trabalho teria hoje, estava muito tenso pra isso. 
Uma volta na chave da porta de casa, passos pequenos até o interruptor. 
De repente...Tcham Ram! 
Executivos, chefe do trabalho, amigos, vizinhos, mãe, filhos e a galera do chopp...Surpresa! 
Feliz Aniversário!

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