Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto ... A Carta


Lívia estava dormindo, era um sono tranquilo e somente o quarto era a companhia. Eram cinco da tarde, chegara do enterro do marido pouco depois do almoço, os calmantes ainda dominavam seu corpo da dor, da saudade.

E seu corpo ali, jogado na cama fria seguiu a noite adentro. Não tinha o porque de se manter acordada, não havia mais lágrima para chorar.

Era um casamento de dez anos apenas, trancos e barrancos, Manoel o falecido, era durão com a esposa, daqueles que não saía para passear, não era carinhoso. Apenas o trivial, o que ele gostava mesmo, era de ficar no bar bebendo com os amigos e ir ao bordel da Dona Chica, o mais badalado da cidade, suas amantes tinham um fervor, umas maldades e sacanagens que Lívia não tinha.

Lívia não podia ter filhos, acham que por isto Manoel não morria de amores por ela e o casamento, diz ter sido arranjado, Lívia filha única, de uma família bem rica da cidade.

Manoel numa noite ficou tão bêbado que foi atropelado perto de sua casa, foi socorrido pelo vizinho, na ambulância não resistiu e partiu para um outro plano.

Na manhã seguinte, Lívia acorda um tanto confusa ainda, tomou uma bela ducha, comeu alguma coisa e se pos a se ocupar, arrumando a casa, organizando umas coisas, no intuito de esquecer a ausência do marido na casa, pelo menos no primeiro dia, o mais difícil. Organizando o armário do marido, encontra um baú velho e dentro uma carta, simples, embora num belo papel azul e um envelope com um desenho bem pintado. Lívia não se conteve e começa a chorar, as mãos tremidas, sem saber se abre ou não a bendita carta.

Depois de uns instantes de choro ela resolve ler o conteúdo do papel: “Querida esposa, sei que fui cruel com você, não fui um bom marido. Eu te amei e ainda amo, embora o sofrimento que te causei todos esses anos, as outras mulheres que tive, a bebedeira, se eu tivesse uma chance, mudaria tudo, começaria um novo casamento. Resolvi escrever esta carta, já que não conversamos direito e entregá-la no dia do seu aniversário daqui uns dias. A partir desta data serei um novo homem e farei tudo diferente. Hoje vou sair e farei uma despedida pra mim mesmo, um último dia de farra. Espero que você possa me entender e ser também uma pessoa diferente, menos amarga e que seja aquela mulher que casei, aquela de uns anos atrás. Resolvi mudar, porque meu amor por você vale a pena e que Dr. Flávio disse que tenho pouco tempo, apenas uns anos, não tive coragem de falar antes, por isto este Manoel louco tomou conta de mim. Te amo.”

Lívia, a esposa amada se pos em pranto, choro incontrolável, seu corpo não reagia, somente lágrimas de desespero, infinitamente uma dor, uma grande dor.

- Lívia?

- Sou eu Amy, você está no quarto?

- Trouxe uma torta de abacaxi para o lanche!

O corpo de Lívia jogado na cama, a carta amassada na mão e o vidro de calmante vazio caído no chão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Às vezes as palavras morrem antes de serem ditas. Outras vezes elas são ditas, porém não pronunciadas. E, outras vezes, a certeza de que teremos tempo já com que adiemos a palavra da reconciliação. Aqui, um exemplo. Bom, muito bom.
Abraço,s
Raí

Mario Rezende disse...

Eu sou suspeito, mas adoro os seus contos cheios de conteúdo um tanto quanto enigmáticos, convites ao pensamento.
Mario Rezende

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